segunda-feira, 22 de junho de 2015

SAUDOSISTAS?

A cada vez que se esboça na cidade um projeto, ou uma simples intenção, de preservar algum elemento do patrimônio cultural, seja no plano das coisas materiais, seja das imateriais, não falta quem diga, contrariado: “são uns saudosistas...”.
Saudosismo pode ser uma palavra de conteúdo positivo. Saudade é um sentimento que ninguém contesta. Mas não é com esse significado que são carimbados os que defenderam o Cine Ópera, os que lutam pelo tombamento de prédios e sítios históricos, os que insistem em que a língua Talián volte a ser cultivada, os que querem o desfile da Festa da Uva no seu cenário histórico. Nesses casos, ser chamado de saudosista significa ser acusado de inimigo do progresso. Como se não fosse possível conciliar progresso com respeito ao passado.
O grande mal das inteligências é o maniqueísmo, maneira de  pensar que é  incapaz de cogitar alguma composição de termos opostos, como entre o passado e o presente. Hoje o maniqueísmo é mais conhecido pelo nome de radicalismo, que divide o mundo entre o certo do lado de cá e o errado do lado de lá, como se isso fosse possível.
Gosto de dizer que sou radical somente em um ponto. Sou radicalmente contra os radicalismos de qualquer espécie. Fosse eu radical, diria que os que não aceitam preservar nada do patrimônio do passado são iconoclastas que merecem a fogueira, a mesma em que destroem o patrimônio, como o do Cine Ópera. Mas não sou de extremos. Só defendo que manter a memória do passado é a base da saúde social.
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segunda-feira, 15 de junho de 2015

CULTURA DA IMIGRAÇÃO – 3

Carlin Fabris foi morador de Conceição da Linha Feijó e deixou escrita uma “Istoria de Conceição” (sic), que é uma fonte inesgotável a ser explorada para ajudar a entender como se deu a aculturação do imigrante italiano no Brasil.
Logo de início, Carlin Fabris, referindo-se à chegada dos imigrantes, faz a seguinte frase: “vieram para ter progresso e grandeza nesta nova pátria, nesta bendita terra do Cruzeiro do Sul Brasil”. É uma frase nitidamente com sabor de linguagem escolar, voltada para ensinar às crianças o sentimento patriótico. O interessante é que Carlin Fabris projeta essa visão do ideário republicano para o passado, como se quem saiu da Itália tivesse como projeto contribuir para o progresso e a grandeza do Brasil.
Por trás dessa projeção há, contudo, um dado concreto: o fato de a geração de Carlin Fabris, uma ou duas gerações depois da imigração, ter incorporado essa ideologia do progresso, de origem republicana, como ideologia também do processo histórico ocorrido na região de colonização italiana. Ou seja, ao contrário do que temiam os nacionalistas ferozes dos anos de 30 e 40, o imigrante italiano estava totalmente imergido na nacionalidade brasileira.
Alguma provável exceção  não é suficiente para algumas generalizações discriminatórias que foram feitas. Isto é, e me repetindo, não houve um projeto de criar uma cultura italiana no Brasil. O que houve foi a criação de uma cultura da imigração italiana, dentro de um processo normal nessa circunstância.
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segunda-feira, 8 de junho de 2015

CULTURA DA IMIGRAÇÃO – 2

Voltando ao tema da semana passada, sobre como aqui se construiu uma “cultura da imigração italiana”, e não, simplesmente, se transplantou uma “cultura italiana”, veja-se como se transformaram as relações de vizinhança.
A experiência vivida nas regiões de emigração, com poucas exceções, era a de uma vizinhança  próxima, em pequenas aldeias – os paesi. De sua casa na aldeia, o agricultor se dirigia para as terras de cultivo que, note-se, nem eram de sua propriedade. Aqui, o regime de colônias, com propriedades familiares acima de 20 hectares, obrigava o imigrante italiano a residir na propriedade. Com isso, os vizinhos mais próximos já não estavam ao lado, mas a meio quilômetro, a um quilômetro de distância, separados ainda, muitas vezes, pela floresta e por caminhos quase intransitáveis.
Não é difícil de imaginar o quanto as relações de vizinhança, fundamentais para toda organização humana, se modificaram nesse cenário. No dia a dia, cada família vivia isolada nos seus afazeres. Para o encontro de vizinhos, diferente do que ocorria na Itália, seria necessária a criação de ocasiões especiais.
O filó, que já na Itália existia como reunião de vizinhança e lazer, mudaria em parte, aqui, sua função. Passaria a ser também um encontro de apoio mútuo, talvez, principalmente, como conforto psicológico para o isolamento em que cada família vivia. Mais uma vez, não houve o puro e simples transplante de um costume, mas a sua reinvenção em vista de novas necessidades.
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segunda-feira, 1 de junho de 2015

CULTURA DA IMIGRAÇÃO

É bastante comum ouvirmos a expressão “cultura italiana no Rio Grande do Sul”.  Na realidade, não existe uma “cultura italiana” entre nós, mas uma “cultura da imigração italiana”, construída com a herança trazida de além-mar mais o patrimônio encontrado aqui, da língua à comida, das crenças aos métodos de trabalho e aos costumes da vida em sociedade..
A primeira escolha de quem emigra é ter de selecionar o que irá manter e o que irá abandonar da sua cultura de origem. Vamos tomar o exemplo mais perto do chão, o das técnicas de cultivo. Os imigrantes italianos, pela prática e pela observação, sabiam como plantar, cultivar e colher o trigo, o milho, o feijão, as batatas. Mas ter de cultivar um terreno coberto de árvores gigantescas, onde vivem animais e insetos desconhecidos, obrigou à adoção e à descoberta de novas práticas agrícolas.
Paolo Rossato, em suas cartas aos parentes, descreve em minúcia a derrubada do mato, a queima, a capina no meio das toras que ficam inteiras, apodrecendo, o plantio do milho: “quatro ou cinco grãos por cova, à distância de um metro uma da outra”. Dá ainda detalhes de como matar as formigas, de como e onde cultivar as videiras, das ferramentas usadas para o trabalho: tudo diferente do que era na Itália!
Só nas atividades menos condicionadas pelo ambiente físico os costumes foram sendo mantidos sem maiores mudanças. Entre eles, os da cultura do comer, que também foi reinventada aqui, não por vontade mas por necessidade. Uma inovação dentro da tradição.
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