segunda-feira, 25 de maio de 2015

DIZER “NÃO”

Quando Geraldo Vandré, num Festival Brasileiro da Canção dos anos dourados, que era o outro lado dos anos de chumbo, cantou “Disparada”  com aquele verso “Aprendi a dizer ‘não’” a plateia presente entrou em delírio. Foi em 1966, na Record. Nada a estranhar, portanto: cantor e público pertenciam à mesma geração da frase “é proibido proibir”.
Agora saiu em livro uma pesquisa, de Tania Zagury, que  investigou a geração de pais da época de “Disparada” e descobriu um dado impressionante: os pais, que se vangloriavam de ter aprendido a dizer “não”, foram incapazes de dizer “não” para os filhos. Resultado: filhos inseguros, incapazes de aceitar críticas e de rever as próprias posições. Uma geração que tende a achar que está sempre certa e a assumir posições dogmáticas, fundamentalistas, radicais. A geração que vem depois dessa é tão irresponsável que deixa os filhos para os avós cuidarem. E acham que é o certo. Tudo isso está na pesquisa.
Bem, esse é o extremo a que se está chegando, o de não aceitar um “não” de ninguém. Isso me faz lembrar outro extremo. Em 1934, quando o balão dirigível Graf Zeppelin sobrevoou Porto Alegre e redondezas, com seus 236 metros de comprimento, ele passou também por São Leopoldo. O Padre Reus, sim, o Padre Reus, estava dando aula no colégio dos jesuítas. Alguns alunos tentaram ir à janela para ver o Zeppelin e ouviram um sonoro “Não!” do Padre Reus: “Aula é aula, voltem para os lugares!”
O que eu penso disso? Cada um faça a filosofia que achar melhor. 
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segunda-feira, 18 de maio de 2015

ELOY LACAVA

Comemoram-se nesta semana os 140 anos da chegada dos primeiros imigrantes italianos na localidade de Nova Milano, então sede da colônia – que por iniciativa política de Feijó Junior teria local e nome mudados para a depois Colônia Caxias.
É uma data em que voltam à tona lembranças, acontecimentos, registros e monumentos. Mas, sobretudo, é uma data que chama a atenção nacional para a contribuição dos imigrantes na construção da identidade brasileira, sem repetir a “balela das três raças fundadoras”, como apostrofou o antropólogo Roberto Da Matta.
A data é também oportuna para revisitar a literatura produzida tendo essa experiência imigratória como tema. Ela é bem maior e mais sortida do que supõe a vã filosofia da pressa de nosso tempo. Para começar, trago à tona o nome de Eloy Lacava, submergido, ao que parece, em quase total esquecimento.
Eloy Lacava publicou em 1986 o romance  “Arrivederci no Paraíso”, pondo as duas línguas no título para caracterizar a passagem de um lado para outro do mundo. A narrativa põe em cena um casal de imigrantes que sai de Montebelluna para a aventura de começar vida nova aqui na Colônia Caxias. Um ano depois, Lacava publicou outro romance, com o título de “Vinho Amargo”, centrado nos acontecimentos  da revolução de 1923.
Eloy Lacava mistura ficção com fatos e nomes reais, jornalista que foi a vida inteira. Mas sabe construir cenas do cotidiano e penetrar no interior das motivações. E expor os conflitos políticos, nunca resolvidos, dos “colonos” com a ideologia dominante.
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segunda-feira, 11 de maio de 2015

GOSTO DE UVA



Quem vem de fora, como eu, acaba descobrindo na cidade de Caxias do Sul coisas e sabores que quem nasceu e viveu sempre dela às vezes não percebe. Mais uma prova disso é o livro que acaba de ser lançado, com o título de “Isabella em Contos”, da autoria de Luiz Carlos Ponzi. Ele nasceu em Guaporé antes de fazer de Caxias a sua cidade. Não apenas como seu habitante, mas deixando-se penetrar dela em todos os sentidos, físicos, emocionais e mentais.
Ponzi já havia dado a público, em 2002, uma história do Bar Treze, um local que fez história como ponto de encontro para passar tempo e para fazer política. Principalmente fazer política. Agora seu olhar atento elabora uma coletânea de onze  quadros – de ficção desta vez – mostrando uma cidade com o nome de Isabella, homenagem à “uva Isabella”, entre os anos de 1905 e 2005: uma narrativa para cada início de nova década.
Um tom bem humorado percorre cada um dos contos, dando uma das dimensões subjacentes à cultura desta cidade: a vontade de rir de tudo, principalmente de si própria. O autor inventa até uma história em que Luiz Carlos Prestes desembarca em “Isabella” onde, como diz o título do conto “a revolução do proletariado se atrapalha”.
Nesse sentido, “Isabella em Contos” filia-se a uma das obras fundadores da literatura local, “Pesos e Medidas”, do saudoso Ítalo Balen, em que a crônica dos fatos vem o tempo todo perpassada de riso. O que é muito bom. Rabelais já nos mostrava que quem não sabe rir não sabe também viver.
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segunda-feira, 4 de maio de 2015

COISAS DE HOSPÍCIO

Acabo de ler um livro que foi editado em 2013 e em dezembro de 2014, pouco mais de um ano depois, chegava à 12ª edição. O livro se intitula “Holocausto Brasileiro” e sua autora é a jornalista Daniela Arbex. O tema é a história de um hospício, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais. O título dado à obra faz sentido: praticou-se nele um extermínio semelhante ao dos campos de concentração nazistas, com mais de 60 mil mortos.
Lendo essa história terrível, veio-me à mente um quadro de informações que tive em mãos quando escrevi o romance “A Cocanha”. O Hospício São Pedro, em Porto Alegre, inaugurado em 1884, foi o destino de muitos imigrantes italianos. Alguns perdiam o juízo, como se dizia, ou entravam  em depressão, como se diria hoje, diante das enormes dificuldades que tinham de enfrentar para sobreviver. Mas a maioria dos que eram lá internados era de viciados em bebidas alcoólicas – também um recurso para se evadir dos problemas – com o diagnóstico técnico de “psicose hetero-tóxica”.  No período que vai até 1900, cerca de quatrocentos imigrantes foram piedosamente encaminhados ao São Pedro, por intermediação das autoridades das colônias e por padres, em nome da paz das famílias.
No meu romance cuidei de não ocultar esse tipo de problema sem, no entanto, carregar nas tintas. Procurei ficar no limite para não fazer uma narrativa de glorificação de heróis que não existiram nem, no outro extremo, desfilar situações de desgraça que de fato existiram. Ainda hoje acho que fiz bem.
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