segunda-feira, 27 de abril de 2015

A BANALIDADE DO MAL

É da cientista política Hannah Arendt o conceito de “banalidade do mal”. No julgamento de Eichmann (há inclusive um filme sobre o tema, que merece ser visto), ficou surpresa por ele se declarar inocente dos atos que praticou para extermínio dos judeus. Ele não tinha nada pessoal contra os judeus, declarou com firmeza. Fez tudo o que fez dentro da lei, apenas cumpriu zelosamente as ordens que recebia, e não via mal nenhum nisso. Hannah escreveu então seu mais famoso ensaio exatamente para mostrar como o mal pode ser banalizado.
Quer dizer, não é necessário ser um “monstro”, ou um psicótico, ou um perverso para praticar o mal sem sentir culpa ou pelo menos alguma cócega na consciência.  Pessoas normais podem chegar ao extremo do crime, em nome até mesmo de princípios que podem ser tidos por racionais. Principalmente se elas se acham imbuídas de uma causa meritória. Se o fim desejado é bom, dizem elas, todos os meios para chegar a esse fim são também bons. Daí nasce o desbordamento do poder, na direção da tirania ou da voracidade.
Na defesa desse comportamento, todas as artimanhas e artifícios retóricos são utilizados, todos com sustentação de aparência lógica, racional e até mesmo legal. Os denunciados se consideram todos inocentes. Não só isso: declaram-se também injustiçados.
Pois é exatamente assim que o mal se torna banal. Até pessoas que pareciam corretas podem, com algum poder na mão, desbordar do caminho certo. A natureza humana é realmente difícil de ser entendida. 
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segunda-feira, 20 de abril de 2015

A MURALHA DA MAESA

Fui convidado para acompanhar uma visita técnica ao prédio da Maesa, tombado como patrimônio histórico e cultural. A maior parte do grupo de especialistas só conhecia a fábrica do lado de fora e tinha, portanto, uma ideia muito superficial do conjunto.
A primeira surpresa foi ver lá dentro um lago, cercado de árvores, muitas delas carregadas de frutas. No lago, carpas imensas nadavam na água limpa. O guia que acompanhava a visita informou então que o recorde de peso tinha sido o de uma carpa pescada com 18 quilos.
Mas a maior surpresa para os olhos veio depois. Ao longo de toda Rua Plácido de Castro foi erguida uma verdadeira muralha de contenção, toda de pedra basalto, com uma qualidade técnica elogiada por arquitetos e engenheiros do grupo. Um deles chegou a afirmar: “o principal patrimônio da Maesa é esse muro, ele precisa ser tornado bem visível para quem entrar aqui”.
De minha parte concordo inteiramente com a proposta. E acrescento à sua importância concreta e material, também uma importância simbólica e imaterial: primeiro, porque esse muro resgata todo um saber fazer dos “muratori”, isto é, dos pedreiros que ergueram esta e outras cidades; segundo, porque são os “muratori” os que lançam o fundamento de todas as edificações. E nada é construído sem uma base sólida e confiável.
Resgatar o muro da Maesa é recuperar, no plano real e no simbólico, a importância fundamental dos que construíram seus fundamentos, se me é permitida uma ênfase com jeito de tautologia.
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segunda-feira, 13 de abril de 2015

PRISIONEIRO DA LIBERDADE

“Prisioneiro da Liberdade” é o título do primeiro romance de Dalcy Angelo Fontanive. Primeiro porque o segundo já está a caminho, com o título de “Velhos tempos, novos ventos”.
Fontanive foi professor e diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caxias do Sul. Transferiu-se ainda jovem para o Rio, onde se especializou em psicologia e psicanálise, fazendo carreira de professor na Universidade Federal Fluminense. No final dessa trajetória, descobriu o fascínio de escrever ficção onde, como nos ensina Milan Kundera, é possível dizer coisas que não poderiam ser ditas de outra maneira.
E são coisas do maior interesse humano as que Fontanive põe diante do leitor de “Prisioneiro da Liberdade”. O título, na aparência paradoxal, se explica no decorrer da trama: todas as amarras que tentam prender o personagem Tarcísio – a autoridade paterna, a moral religiosa e social vigentes – têm menos força que seu apego à liberdade. Isso em tese. As situações pelas quais passa o protagonista não têm nada de tese, são muito mais envolventes. Toda a cultura rural veneta transplantada para esta região, com suas prescrições rigorosas sob o controle inflexível da igreja, é ali desmascarada.
Não tenho receio de afirmar que se trata de um drama inédito no romance brasileiro e até mesmo de língua portuguesa. Em certos aspectos esse romance se aproxima dos de figuras como Bernanos e Graham Greene, só para dar uma ideia do nível de significado dessa obra. E que venham os “Velhos tempos, novos ventos”!
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segunda-feira, 6 de abril de 2015

AUTORES GAÚCHOS NA ITÁLIA

Na Universidade de Perugia está o maior tradutor e divulgador da nossa literatura na Itália. Seu nome é Brunelo Natale de Cusatis, professor titular da cadeira de Língua e Literatura Portuguesa e Brasileira. Traduziu para o italiano a poesia de Fernando Pessoa e, para nosso orgulho, escritores de origem italiana aqui do Sul do Brasil. As obras são publicadas na coleção Letteratura Luso-Afro-Brasiliana da Mordacchi Editora, também de Perúgia, em edição bilíngue, para terem função didática.

De Cusatis começou a ter interesse nos escritores gaúchos quando conheceu o poeta Armindo Trevisan, natural de Santa Maria, de que  traduziu Versi puri e impuri. Depois levou para o italiano uma antologia de Racconti de Sérgio Faraco, nascido em Alegrete e, por último, o livro de poemas com o título de Nel Dolore Sconfinato (Nos Gerais da Dor), da guaporense Maria Carpi.

No meio dessa leva, em 2008, o meu O Caso do Martelo virou Il caso del martello. Lembro que ao ler a tradução italiana deparei com a palavra bigonce. Nada menos que a matriz dos nossos “bigunchos” de colher uva, que usei no capítulo dois da novela e que, como a palavra “quatrilho”, ainda não entrou no dicionário da língua nacional.

A boa notícia que me deu Brunelo De Cusatis quando esteve aqui em novembro do ano passado, dando uma palestra no Doutorado em Letras na UCS sobre o que se esconde por trás do trabalho de um tradutor, é que Il caso del martello saiu em segunda edição. Com os seus bigunchos em paz com le bigonce...
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