segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Leituras

LEITURAS
            José Clemente Pozenato

Estamos em plena 30º Feira do Livro na cidade. É uma excelente ocasião para fazer novas leituras. Mas é também, não sei por qual razão, oportunidade para relembrar leituras de outros tempos. Será por causa dos sebos?
Foi assim que, vendo o livro Ortodoxia, de G.K.Chesterton,  ocorreu-me que podia estar na minha biblioteca, porque tinha sido uma das minhas leituras de jovem. Por sorte, estava bem à vista: uma edição em espanhol, da Espasa-Calpe Argentina, na Coleccion Austral, em formato pouco maior que o dos livros de bolso. Não estava ainda traduzido para o português, como o exemplar que vi na Feira.
Abro-o, em alvoroço, e sinto um nó na garganta: contra meu costume, o jovem que eu era tinha sublinhado a lápis dezenas de passagens. Pena não poder compartilhar todas elas com o leitor, mas aí vão algumas amostras, que traduzo:
“Não conheço nada mais desprezível do que uma defesa engenhosa daquilo que não admite defesa”.
“A fantasia nunca arrasta à loucura; o que arrasta à loucura é exatamente a razão. Os poetas não ficam loucos, e sim os jogadores de xadrez. (...) É um fato fácil de explicar: a poesia flutua folgadamente num mar infinito; enquanto isso, a razão, tratando de cruzar esse mar, o torna finito”.
“O homem feliz é o que faz maior número de coisas inúteis, porque o enfermo não pode gastar em ociosidades suas pobres forças”.

Tudo isso prova uma verdade: livro não tem data de vencimento, sempre pode ser consumido de novo. E esta não é uma frase de Chesterton!
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domingo, 5 de outubro de 2014

                                               IDOSO VOTANTE
                                                                              José Clemente Pozenato
                O dia das eleições, que costuma receber o apelido de “festa da democracia”, reservou algumas cenas que merecem ainda ser repensadas, em especial no item dos direitos do idoso.
                Certo, a legislação eleitoral retira do idoso a obrigação do voto, mas não retira dele o direito de votar. Alguns poderiam entender, com isso, que se o idoso quer exercer esse direito, que esteja preparado para enfrentar filas e instalações em igualdade de condições com as dos demais votantes. Isto é, sem nenhum direito de preferência.
                Mas também é possível pensar que, se um idoso se dispõe a sair de casa para cumprir esse ato de cidadania, deveria ter essa disposição, se não facilitada, ao menos não dificultada.
                Descrevo aqui apenas duas cenas presenciadas. Numa delas, as seções eleitorais estavam localizadas no alto de uma escadaria, sem rampa de acesso, sem nem ao menos um corrimão. Por alguma razão esses obstáculos à locomoção ainda existem, e não seria o caso de se colocarem urnas no alto desses pináculos.
                A outra cena foi dentro de um colégio, com seções instaladas nos pavimentos superiores. O detalhe é que o colégio conta com elevadores, conforme determina a lei. No entanto, os idosos que chegavam encontraram os elevadores trancados. Emperrados? Não. Trancados a chave. Um fiscal providenciou para que um funcionário os destravasse. Os elevadores subiram. Quando os votantes voltaram para descer, os elevadores estavam novamente com o controle  bloqueado.

                Isso não é bem uma festa de democracia, não é verdade?
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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

                                   O NOME DE CAXIAS

                                               José Clemente Pozenato

Caxias do Sul começou de maneira tão discreta que nem sequer tinha nome: era “a colônia nos fundos de Nova Palmira”, ou o Campo dos Bugres (o “Campo”, como escrevia Paolo Rossatto aos parentes na Itália, ainda em 1883). Ganhou oficialmente o nome de Colônia Caxias em 1877. Foi Vila Santa Teresa de Caxias, em 1890, até virar cidade de Caxias em 1910, no mesmo dia em que foi inaugurada a estação do trem. O sobrenome “do Sul” veio bem mais tarde, para diferençar da Caxias maranhense.
            O curioso é que ninguém, até agora, havia identificado quem deu o nome de Caxias para a colônia sem nome, e como isso aconteceu. O autor da ideia estava mais ou menos identificado: teria sido o engenheiro pernambucano José de Cupertino Coelho Cintra.  E era um grande empreendedor, esse padrinho de Caxias: construiu em 1892 o túnel Real Grandeza, entre Botafogo a Copacabana, implantou diversas linhas de bondes no Rio e foi quem introduziu o bonde elétrico, comentado por Machado de Assis numa crônica em que dois burros, que puxavam bonde, filosofam sobre sua aposentadoria.

Antes disso, Coelho Cintra havia sido “Inspetor Geral de terras e colonização” na colônia de imigrantes italianos no Espírito Santo. Agora, como foi ele se envolver com os imigrantes aqui dos fundos de Nova Palmira? Quem descobriu a história inteira foi o pesquisador Luiz Brambatti, que me segredou em primeira mão num corredor de supermercado. Ela está narrada, tintim por tintim, no último livro dele, que está para sair. Por isso não conto o final do filme. 
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domingo, 21 de setembro de 2014

domingo, 14 de setembro de 2014

                                   PRINCÍPIOS

                                               José Clemente Pozenato

            Para quem não me conhece de perto, vão aí dez princípios que me norteiam e que, penso eu, deveriam nortear toda sociedade que se considera civilizada:
- Sou radical apenas num ponto: sou radicalmente contra qualquer tipo de radicalismo. Um princípio sinônimo deste é: tudo deve ser relativizado e analisado dentro de seu contexto de tempo, lugar e cultura.
            - Quem discrimina o discriminador também pratica discriminação. Por exemplo, quando há um conflito racista, a probabilidade de que os dois lados estejam praticando algum grau de racismo é de cem por cento.
            - A virtude fundamental da convivência civilizada – isto é, mais evoluída que a dos primatas – é a tolerância. Ou então: ser humano é ser tolerante.
            - Fazer guerra santa nunca é coisa santa, é sempre guerra em busca de poder. Observação: não só as religiões fazem guerras santas. Há outras formas de sacralizar a própria causa. Há guerras, por exemplo, feitas para “impor” a democracia, ou seja, o próprio poder.
            - Dizer que os políticos são corruptos é apenas metade da verdade. A outra metade é: os políticos não seriam corruptos se o povo não fosse corrupto.
            - Queres conhecer o vilão? Dá-lhe o poder na mão.
            - A pior democracia é sempre melhor que a melhor ditadura.
            - É de menino que se torce o pepino. E torcer sempre faz doer um pouco.
            - Quem tudo quer, tudo perde. Quem quer pouco, consegue tudo o que quer.
            - Quem dá atenção ao que não merece atenção, faz o insignificante ficar importante.

Pensando bem, não esgotei a lista.
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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

INDEPENDÊNCIA

                                                               INDEPENDÊNCIA
José Clemente Pozenato

            Quando aceitei o convite para escrever neste portal da TV Caxias, a primeira coisa que me ocorreu é que, de novo, ia ter de cruzar uma porta desconhecida. A primeira foi a lousa de escrever, na escola, onde era fácil apagar os erros. A seguir veio a promoção para o papel e o lápis, com a borracha como recurso para os erros. Depois, o lápis foi substituído pela caneta e o tinteiro, mata-borrão ao lado: a única correção possível passava a ser então a rasura, o que era feio. O jeito era pensar bem antes de pôr a ideia no papel. A caneta e o tinteiro deram lugar para a caneta-tinteiro, tinta e pena num instrumento só, que se podia levar no bolso. Veio então a segunda grande conquista depois do papel: a máquina de escrever, onde as letras já saiam parecidas com as dos livros.
Mas não terminava aí minha trajetória de aprendiz da escrita. Veio o computador, que não dá a segurança física do papel, mas em compensação elimina de vez a necessidade da borracha, da rasura e do líquido corretor. Fiquei muito tempo diante dessa porta, sem entrar. Então descobri que o computador era só um intermediário para o papel, venci a resistência e passei a usá-lo.
            Agora vou experimentar o que é escrever e ser lido sem o papel de permeio. Está proclamada, portanto, minha independência do papel. Como em qualquer tipo de independência, não é de uma hora para outra que se rompem as amarras. Toda independência precisa ser reaprendida, a cada dia, a cada geração.

            Agora que entrei, o leitor poderá me encontrar aqui todas as segundas-feiras. Até a próxima.
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